Quando criança, quase morri com uma espinha de peixe cravada em minha garganta. Mas não foi por isso que detestei o gosto forte e diferente dos pescados até a pré-adolescência. É normal que os mais novos estranhem tal aroma até aprimorarem seu paladar com o passar dos anos. Engraçado que lagosta, lula, siri e polvo sempre gostei! Très chic. Já mexilhões e ostras, repulsava. Não me apetecem seus aspectos gosmentos, viscosos, pois aprecio o que é crocante ou borrachudo. E hoje, até o 'azedinho' de alguns peixes me agrada, bem como a dificuldade de comer sua carne por entre cartilagens finas e perigosas.
Um dia serviram uma espécie enorme, feita na grelha, inteira. Fiquei chocada. Por antes só tê-lo visto enlatado, não supunha que o atum era daquele tamanho! Acho que o comparava às sardinhas pela forma que são vendidos e proximidade nas prateleiras dos supermercados, pela presença de ambos nas pizzas de minha mãe. Quem não frequenta feiras não os identifica facilmente por entre escamas. E o cheiro desagrada a muitos (embrulha até!). Já golfei ao limpar moluscos e jurei dali por diante sempre recorrer aos gentis cavalheiros que nos entregam as postas prontas. E olha que eu não sou nojenta... a tinta é que assusta.
Admiro a liberdade dos seres aquáticos na imensidão das águas. As mães-d'água dançam lentamente e nem parecem ser nocivas. Todos tem os seus recursos naturais que os diferenciam. Já estive em meio a um cardume no mar do nordeste e não me agradou a sensação dos peixes se debatendo em mim, e eu sem conseguir discernir os vultos na mancha escura em constante movimento. Tive receio de algo me morder. Dizem que quando sentimos cheiro de "melancia" na praia é porque tem tubarão por perto. Será? Ou é mais uma história dessas de pescador, como o canto da sereia? - este é um mito que me fascina (fantasia que mexe comigo, que quero ser uma). O do boto também me intriga. Desculpa de tantas moças no norte do país, ele é como o pai das estrelinhas nas atuais favelas.
Sou filha de Iemanjá. Não foram poucas as vezes que ela me chamou para perto dela. A diferença dos mares e a importância de um maior respeito a sua grandeza aprendi agora, ao me mudar para uma cidade litorânea. Quando morava no sul, não tinha receio. Muita coisa mudou... também não enjoava ao andar de barco, mesmo passando dias pra lá e pra cá na Bahia, ou onde quer que fosse. Por que agora é diferente? Esse sentimento é novo, mas intenso. Veio com algumas quedas significativas, junto à percepção do desconhecido, de uma força maior que sempre vai estar em vantagem. Digo isso sem intenção nenhuma de me afastar de sua beleza, evitando seus banhos energizantes, o barulho e o balanço de suas ondas e a brisa no rosto mostrando que o tempo esta a passar, levando e trazendo a gente por entre pensamentos.
Fui companheira de meu pai em inúmeras pescarias. Já vi a linha ir longe e a rede ser passada em açudes pra lá do sul do mundo. Lembro-me perfeitamente do barulhinho das pedras dentro das embalagens de óleo automotor a se mexer quando mordida a isca. Um estalo, e lá ia o velho correndo ver o resultado daquelas investidas. Passávamos manhãs e tardes dedicados à busca do alimento, ao silêncio, ao ócio, à tranquilidade dos pagos, ao passatempo dos homens - 'indiadas' típicas dos Irions. Nessa época conheci as tartarugas e ensaiei o sonho de uma estima doméstica. E não esqueço os mussuns, que temia dentro e fora d'água, e que amava os lambaris, pois conseguia pegá-los em minhas mãos pequenas facilmente para comer.
Salivo só de pensar em alguns pratos. Do clássico molho apimentado baiano na moqueca de cação ao leite de côco ou do pirão encorpado fervilhante, passando pelos agulhinhas fritos que quebram deliciosamente na boca, até as recém-descobertas peças (que ainda não aprendi a apanhar corretamente com aqueles dois pauzinhos difíceis de manusear...) cruas de salmão, enroladinhas com arroz em algas, enfileiradas, ou levemente coradas, banhadas em molhos de soja doce ou salgado, ardentes com raiz forte. O universo gastronômico dos frutos do mar é um espetáculo à parte - riquíssimo, saudável e apetitoso.
Minha coragem em me aventurar por cardápios light e caros, mas perigosos, tratando-se de minha paixão maior - o camarão, já me levou quatro vezes à emergência de hospitais por intoxicação alimentar (ou infecção intestinal? - não lembro ao certo. Devem ter sido ambas, alternadas). Esse requinte pode ser fatal para organismos alérgicos e estômagos fracos, como o meu. Lamento que aconteça, mas é o risco que assumo ao me permitir esse prazer inenarrável. Melhor que Buscopam na veia, só isso mesmo! Além de sempre optar por peixes quando como fora, uma vez por mês, ao menos, caio com os amigos na tentação da comida japonesa.
O Rio de Janeiro, bem mais que o Rio Grande, mas menos que o nordeste e Santa Catarina, oportuniza esse hábito saudável que é comer peixe e frutos do mar. Essa onda oriental pegou por aqui e a cada esquina encontramos opções fast e outras mais elaboradas para se saborear o que as águas nos oferecem. Interessante perceber, pela campanha do Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA), que se come ainda pouco pescado no Brasil, comparando-se com outros países. Em território tão bem cercado por oceanos, e terras à oeste docemente alagadas, isso é uma incoerência. Dou um desconto aos conterrâneos gaúchos, que culturalmente preferem carnes mais encorpadas, mas surpreende-me tal comportamento no restante do país.
Espero que a Semana do Peixe, que já é realizada há seis anos, atinja seu objetivo de aumentar esse consumo por aqui. Bacana essa iniciativa que, além de movimentar o mercado fomentando promoções e festivais na oferta, busca informar a população. Folhetos explicativos sobre os benefícios desse alimento, que indicam como fazer a escolha certa do produto, e também sugerem formas de prepará-lo, estão sendo distribuídos gratuitamente. Espera-se que até 2011 cada brasileiro chegue a comer, em média, nove quilos ao ano. O ideal seria os 12 recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS), claro. Se depender de mim, chegaremos lá!
Que a gente caia então na rede, ou seja fisgado pela boca, tanto faz - não só agora, mas SEMPRE. O importante é que se rendam todos (estrelas do mar, moréias, ouriços, golfinhos, baleias, cavalos marinhos e tatuís gigantes - inclusive!).